—
O que você pensa que está fazendo?! — Flora entrou furiosamente no quarto de
sua irmã.
Anastácia que se encontrava de frente
para sua penteadeira não movera sequer um músculo em direção a sua gêmea. Ela
se cansara de ser a irmã boazinha, a pobre e coitada Anastácia que abaixava a
cabeça aos caprichos de sua irmã. Sempre fora assim, desde o princípio. Se
Flora queria suas bonecas, ela as tinha. Se Flora queria seus vestidos, ela os
pegava.
Nada nunca fora verdadeiramente seu.
Exclusivamente seu. Tudo sempre fora daquela versão mimada e sem coração de si
mesma. Daquele monstro que tinha o rosto exatamente igual ao seu. Mas,
Anastácia havia decidido nunca mais se curvar às vontades da sua irmã.
Com a coluna ereta na mais bela pose de
elegância que seu berço lhe exigia, Anastácia girou seu corpo juntamente com
seu banquinho para que pudesse ficar frente a frente com sua cópia vil.
—
Sinto muito, minha irmã... — pausou propositalmente. — No entanto, não
compreendo ao que se refere.
—
Ora sua desvirtuada! Não ouse se fazer de ingênua. Não sou tola, eu percebi
suas insinuações para com o Sr. Fernando.
—
Ah! É mesmo? — indagou de forma jocosa. — Eu estava me insinuando? E o que
exatamente eu fiz? Vesti-me bem? Enfeitei-me? Pintei-me, também? O que mais?
Flora, tomada pela surpresa de ver sua
irmã a confrontando, demorou alguns segundos para que pudesse formular qualquer
resposta.
—
Minha nossa...! Finalmente você está se revelando não é mesmo? Mostrando a
víbora que é!
—
Agora eu quem sou a víbora?! Que eu saiba, foi a mim que o Sr. Fernando viu
cavalgando na fazenda de nossa tia. Que eu saiba, foi por mim que ele se
encantou e desejou cortejar! Mas você... Você tinha que ser esse monstro
repugnante e possuído de ciúmes. Você o enganou!
Flora tinha agora os olhos tingidos de
um brilho raivoso e sádico. Seu sorriso era o exemplo de sua personalidade
obscura. Duas irmãs quase idênticas fisicamente, porém, completamente díspares
quanto suas almas.
—
Minha querida irmã, se eu fosse tal monstro que você me acusa ser, como eu
teria sido capaz de atrair Fernando para mim? — Flora sabia exatamente como
destilar seu veneno, sempre soubera. — Não... Eu acho que ele me desejou até
mais do que a ti. Porque convenhamos, querida, entre nós duas não há
comparação.
—
Acredita mesmo nisso? Pois, não foi o que pareceu alguns minutos atrás quando invadiu
meu quarto soltando fogo pelas ventas, acusando-me de seduzi-lo. Você parecia
estar tão assustada quanto furiosa. Acho que nossos breves reencontros foram o
suficiente para que Fernando percebesse o que acontecera e do que você é capaz.
—
Ele é meu! — Flora gritou com todas as forças. — MEU! Ele pode ter se encantado
por ti na fazenda de nossa tia, mas fui eu quem o fascinou quando ele veio a
cidade. Foi comigo que ele se encontrou durante todo esse tempo.
—
Você está certa, foi contigo que ele se encontrou. Foi em seu nome que ele
procurou nosso pai, contudo, isso apenas aconteceu porque infelizmente
compartilhamos o mesmo rosto. Do contrário, ele nunca teria se aproximado de um
ser nojento como você.
Dor e ardência.
Anastácia pousou sua mão sobre sua
bochecha. O tapa de Flora queimara como fogo em seu rosto. Ela havia conseguido
desestabilizar sua irmã, finalmente. Se não estivesse fervendo de raiva teria
sorrido. Flora sempre fora controlada demais, fria como o inverno. E bem ali,
naquela tarde, ela tinha conseguido destruir a parede de gelo de sua gêmea. Mas
ela não deixaria barato.
Com toda sua graciosidade, Anastácia
levantou-se para que pudesse encarar sua cópia na mesma altura, sem receios.
Antes que Flora pudesse prever o que viria a seguir, acertou-lhe o rosto com
toda força que conseguira concentrar em sua palma. Tanto fora sua vontade de
revidar que acabou derrubando sua irmã contra a porta.
—
Antes que saia do meu quarto, só irei te contar um pequeno segredo — Anastácia
estava radiante, não apenas enfrentara sua irmã, como também a derrotara —
Quando Fernando olha no fundo dos seus olhos azuis é o castanho dos meus que
ele deseja encontrar.