O rádio estava
ligado em uma estação qualquer. Uma dessas músicas pop preenchia o ambiente no
volume mais baixo. Era apenas mais um desses lixos sobre casais apaixonados,
alguma besteira sobre amor, estrelas e, pelo que parecia, diamantes.
Como
sempre, a mídia e os famosos iludindo as pessoas normais com contos de fadas e
redenções medíocres. Nada daquilo era verdade. Nada daquilo ocorria no mundo
real. O amor é uma mentira comercializada, sempre fora. Apenas os tolos se
deixam enganar.
O
que mais irritava Marie, porém, não era a canção em si, mas o fato de que até o
dia anterior ela fazia parte de toda aquela farsa. Uma idiota como todos os
outros que acreditava na existência do amor eterno.
Eterno?
Que grande estupidez!
Essa
talvez fosse a maior piada de mau gosto de todos os tempos. Eterno apenas o
sofrimento, a dor, a angústia e a desilusão. Provara o suficiente desse amargor
para defender essa afirmativa. Bastou um ano de casamento para que a sua
história perfeita ruísse como um castelo de cartas sob os caprichos do vento.
Patético.
Como
pudera ser tão ingênua? Ele parecia tão certo... Ou melhor, ELES pareciam tão
certos juntos, pura obra do destino. Ironicamente, agora, essa obra parecia a
mais torturante das criações.
Marie
não conseguia compreender como as coisas chegaram àquele extremo; como seu
marido perfeito havia se tornado tão frio e distante, pior do que isso, tão
desprezivelmente...
Uma
de suas mãos trêmulas soltou o volante rapidamente para ajustar o aquecedor.
Ela deveria estar enlouquecendo. Aquela era uma das noites mais frias e úmidas
de todo o inverno e mesmo assim seu carro parecia uma estufa viva pronta para
sufoca-la até a morte.
Malditos
sentimentos! Maldita dor que persistia em afundar suas abomináveis garras em
seu peito!
Todas
as noites em claro a espera de seu marido, todas as brigas, os gritos contidos,
as mágoas engolidas... Simplesmente tudo o que a atormentava durante todos os
últimos meses, agora vertiam de seus olhos que aparentavam ser duas descontroladas
cachoeiras do que qualquer outra coisa.
Sua
mão esquerda esfregou suas maçãs do rosto tentando, sem sucesso, secá-las.
Aquela porcaria de música estava em seu repetitivo refrão sobre diamantes e
estrelas. Se havia alguma relação entre diamantes e o amor eram as lágrimas da
dor dos amantes, nada além disso. Talvez essa fosse a grande e única verdade
absoluta.
A
raiva e o desgosto consumiam Marie impiedosamente. Ela era uma covarde. Deveria
ter permanecido em casa e tê-lo enfrentado, jogado tudo o que guardava dentro
de si sobre ele sem medo ou remorso. Deveria tê-lo feito sentir tudo o que ela
passou por culpa dele, fazê-lo sofrer na mesma intensidade. Mas ela era fraca,
nunca conseguiria concluir um plano parecido. Estava fadada a ser a sofredora
do relacionamento.
Ao
retornar ao seu lugar no volante, sua mão fria transmitia uma leveza quase
estranha. Ela sabia muito bem do que se tratava. Sua amada aliança não mais se
encontrava ali entre seus dedos. Aquele objeto que um dia fora a mais bela
promessa de um futuro se transformou nas piores correntes já criadas. Mas,
ainda assim, fazia-lhe tanta falta...
A
música havia acabado, porém, nenhuma outra se introduziu. O rádio não poderia
ter quebrado. Com o cenho franzido, Marie tentou reaviva-lo, dando-lhe leves
pancadas. Nada acontecera, apenas o silêncio profundo da noite em meio a uma
estrada escura que parecia infinita. Estava literalmente sozinha, acompanhada
apenas de seus pensamentos tempestivos.
Talvez
fosse melhor assim, livre das bobagens que aquelas caixinhas de som
transmitiam. Ela tinha que se liber... Mas o que era aquil...
Marie
não teve tempo de processar completamente o que estava acontecendo, tudo o que
viu foi uma luz intensa, quase capaz de cegá-la. E então um estremecimento
estranho percorreu todo seu corpo e o que havia ao seu redor.
E...
Meu Deus! Quanta dor!
Nada
mais fazia sentido. Ela estava num turbilhão de sensações. Agulhas entravam por
todos os lados do seu corpo e se arrastavam pelo mesmo, arranhando sua alma. O
mundo parecia ter perdido seu eixo, girando descontroladamente enquanto, ao
mesmo tempo, era esticado e comprimido. A dor era tão grande...
Um zumbido
irritante pulsava abafadamente. O que era aquilo?
Marie começou
a se desligar do que quer que estivesse acontecendo, seus tímpanos pareciam ter
sido moídos e uma pressão insuportável pairava sobre sua cabeça. Seus olhos não
conseguiam abrir, seu corpo parecia ter sumido se não fosse por aquela estranha
sensação. Era algo molhado escorrendo em si, não sabia a origem. Parecia que
haviam aberto uma torneira.
Seu
estômago deu sinal de vida como se estivesse sendo arrancado junto com as
vísceras; seu peito ardia como uma lareira deveria fazer em um chalé invernal.
Pontos brancos e pretos começaram a se misturar atrás das suas pálpebras. Mas a
escuridão começou a vencer. A sensação de flutuar surgiu.
Então,
aquele era o seu fi...?