Menina.
Menina!
Eu
me lembro muito bem. Era uma menina. Eu já tinha grande expectativa de que
fosse mesmo, mas ao receber a notícia era como se tudo passasse a ser real,
como se antes fosse apenas uma possibilidade e, então, uma certeza. Era uma
menina.
Minha
menina.
O
mundo não poderia ser mais verdadeiro e surreal do que naquele momento, porém,
ele o conseguiu ser. Eu não tinha como controlar minhas emoções, tampouco meus
pensamentos, quem dera minhas próprias mãos.
Minha
menina era a concretização dos meus mais profundos sonhos, era a realização dos
meus desejos mais puros e latentes. Não havia nada que pudesse superar tamanha
felicidade; jamais alguém poderia dizer que já havia me visto daquela maneira,
porque seria mentira. Aquilo era o ápice do que meu espírito poderia chegar.
Nada seria capaz de ultrapassar minha alegria, pois não existia nada mais belo
do que aquele momento. Apenas um momento.
Mas
era o meu momento.
E
tão rápido quanto veio se foi. Todas as futuras possibilidades ruíram como um
castelo de cartas diante do vento. Uma por uma sendo tiradas de suas posições
até não restar mais nada além do pobre e tolo sonhador que ousou usá-las. Não
sobrou-me nada, senão a mim mesmo.
Foi
assim que a minha menina me deixou. Levada pelas mãos do Destino sem que eu
pudesse lutar. Um anjo de cachos dourados que chegou e partiu, como os fios de
ouro naquela velha canção de outono da minha infância. Desde então, minha vida
é um eterno inverno. Sem recomeço, nem fim.
E, todas as
noites, eu sou capaz de ver pela janela do meu quarto minha garotinha de
costas, partindo com seus cabelos dourados sobre a neve, com o gelo sob seus
pés descalços. Como se todos os dias, fossem aquele dia; como se todas as
mortes fossem dela. Talvez sejam mesmo.
Talvez ela seja um anjo. Um anjo da morte.
Meu anjo.
É o que importa.